O Argumento Ontológico: Formulação de Malcolm

Apologetics315.com [Dessa vez um post sobre uma versão do argumento ontológico, e não terminologia]

Fonte:http://www.apologetics315.com/2013/03/the-ontological-argument-malcolms.html

Este é um trecho de Philosophy of Religion, por C. Stephen Evans, no capítulo para argumentos clássicos para a existência de Deus. Nesse excerto, Evans descreve a formulação de Norman Malcolm do segundo argumento ontológico de Anselmo, o qual lida com o conceito de existência necessária.

A essência do segundo argumento, como Malcolm o formula, é a seguinte: Deus é, por definição, um ser que não apenas existe por acaso. Deus não pode nem passar a existir nem deixar a existência, visto que um ser que pudesse fazer isso simplesmente não seria Deus. Disto se segue que, se Deus existe, então sua existência é necessária; se ele não existe, então sua existência é impossível. Mas ou Deus existe ou ele não existe, portanto a existência de Deus é ou necessária ou impossível. Como não parece plausível dizer que a existência de Deus é impossível, então segue-se que sua existência é necessária. Mais formalmente, o argumento pode ser dado dessa forma:

1. Se Deus existe, sua existência é necessária.
2. Se Deus não existe, sua existência é impossível.
3. Ou Deus existe ou ele não existe.
4. A existência de Deus é ou necessária ou impossível.
5. A existência de Deus é possível (ela não é impossível).
6. Portanto, a existência de Deus é necessária.¹

1. C. Stephen Evans, Philosophy of Religion: Thinking About Faith (Downers Grove, IL: InterVarsity Press., 1982), p.48.

Critícas Teístas ao Ateísmo

William Lane Craig (tradução: teismocristao.wordpress.com)

Um relato do ressurgimento do teísmo filosófico em nosso tempo, incluindo um breve levantamento de argumentos anti-teístas proeminentes, como a presunção do ateísmo, a incoerência do teísmo e o problema do mal, juntamente com uma defesa de argumentos teístas, como o argumento da contingência, o argumento cosmológico, o argumento teleológico e o argumento moral.

Versão resumida no The Cambridge Companion to Atheism, pp. 69-85. Ed. M. Martin. Cambridge Companions to Philosophy. Cambridge University Press, 2007 (mais informações aqui)

Introdução

O ultimo meio século testemunhou uma verdadeira revolução na filosofia Anglo-Americana. Em uma retrospectiva recente, o eminente filósofo de Princeton Paul Benacerraf relembra como era fazer filosofia em Princeton durante os anos 1950 e 60. O modo esmagadoramente dominante de se pensar era o naturalismo científico. A metafísica havia sido derrotada, expulsa da filosofia como um leproso impuro. Qualquer problema que não pudesse ser tratado pela ciência era simplesmente descartado como um pseudoproblema. O verificacionismo reinava triunfantemente sobre a ciência emergente da filosofia. “Esse novo iluminismo iria pôr as antigas visões e atitudes metafísicas de lado e substituí-las com o novo modo de se fazer filosofia. “1

O colapso do Verificacionismo foi, sem nenhuma dúvida, o evento filosófico mais importante do século vinte. Seu falecimento significou a ressurreição da metafísica, assim como de outros problemas tradicionais da filosofia que o Verificacionismo havia suprimido. Acompanhando este ressurgimento veio algo novo e completamente inesperado: um renascimento da filosofia Cristã.

Como resultado, a face da filosofia Anglo-Americana foi transformada. O teísmo está crescendo; o ateísmo declinando.2 O ateísmo, talvez ainda o ponto de vista dominante na universidade Americana, é uma filosofia em retirada. Em um recente artigo no jornal secularista Philo, Quentin Smith lamenta o que ele chama de “a dessecularização da academia que evoluiu nos departamentos de filosofia desde o fim dos anos 1960.” Ele reclama:

Naturalistas assistiram passivamente enquanto versões realistas do teísmo. . . começaram a adentrar a comunidade filosófica, até que hoje talvez um quarto ou um terço dos professores de filosofia são teístas, a maior parte Cristãos ortodoxos . . . . na filosofia, se tornou, quase do dia pra noite, “academicamente respeitável” argumentar pelo teísmo, fazendo da filosofia um campo de entrada favorito para os mais inteligentes e talentosos teístas entrando na academia hoje em dia.3

Smith conclui: “Deus não está ‘morto’ na academia; ele voltou à vida no fim dos anos 1960 e está agora vivo e bem em sua última fortaleza acadêmica, departamentos de filosofia.”4

Como vanguardas de um novo paradigma filosófico, filósofos teístas têm livremente emitido várias críticas ao ateísmo. Em um espaço tão curto como esse verbete, é impossível fazer mais que um esboço deles e providenciar direcionamento para leituras futuras. Essas críticas poderiam ser agrupadas em dois eixos principais básicos: (1) Não há argumentos convincentes em favor do ateísmo, e (2) Existem argumentos convincentes em favor do teísmo.

Nenhum Argumento Convincente em favor do Ateísmo

Presunção do ateísmo. Teístas queixam-se de que os argumentos usuais contra a existência de Deus não chegam a ser filosoficamente aceitáveis. Uma das justificações do ateísmo mais proferidas tem sido a assim-chamada presunção do ateísmo. Ao pé da letra, essa é a afirmação de que na ausência de evidência para a existência de Deus, nós devemos presumir que Deus não existe. Assim entendida, tal alegada presunção parece confundir ateísmo e agnosticismo. Quando se olha mais cuidadosamente à como os protagonistas da presunção do ateísmo usam o termo “ateu”, porém, se descobre que eles estão, às vezes, redefinindo a palavra para indicar meramente a ausência de crença em Deus. Essa redefinição trivializa a afirmação da presunção do ateísmo, visto que nessa definição o ateísmo deixa de ser uma posição, e até mesmo criancinhas contam como ateus. Uma pessoa ainda necessitária de alguma justificativa para saber se Deus existe ou se Ele não existe.

Outros proponentes da presunção do ateísmo usam a palavra no sentido padrão, mas insistem que é precisamente a ausência de evidência para o teísmo que justifica suas afirmativas de que Deus não existe. O problema dessa posição é capturado impecavelmente pelo aforismo, amado por cientistas forenses, que afirma que “Ausência de evidência não é evidência de ausência”. A ausência de evidência é evidência de ausência somente em casos nos quais, fosse postulada a existência da uma entidade, nós deveriamos esperar encontrar mais evidência de sua existência do que temos. Em relação à existência de Deus, compete ao ateu provar que caso Deus existisse Ele providenciaria mais evidências de Sua existência do que nós temos. Esse é um ônus de prova enormemente para o ateu aguentar, por duas razões: (1) Pelo menos no teísmo cristão, a principal maneira pela qual chegamos a conhecer Deus não é através de evidências, mas pelo trabalho interno do Seu Espírito Santo, que é eficaz em trazer pessoas à uma relação com Deus inteiramente à parte de evidências.5 (2) No teísmo Cristão Deus providenciou os milagres estupendos da criação do universo a partir de nada e da ressurreição de Jesus de entre os mortos, eventos para quais há boa evidência histórica e científica – para não mencionar todos os outros argumentos da teologia natural.6 A luz disso, a presunção do ateísmo parece presunçosa, de fato!

O debate entre filósofos contemporâneos, portanto, moveu-se além da fácil presunção do ateísmo para uma discussão da assim-chamada “Ocultação de Deus” – com efeito, uma discussão sobre a probabilidade ou expectação de que Deus, caso Ele existisse, deixaria mais evidências de Sua existência do que o que nós temos. Insatisfeitos com a evidência que temos, alguns ateus argumentaram que Deus, caso Ele existisse, teria prevenido a descrença do mundo ao fazer Sua existência nitidamente aparente. Mas por que Deus iria querer fazer tal coisa? Na visão Cristã é uma matéria de relativa indiferença para Deus se as pessoas acreditam que Ele existe ou não. Pois o que Deus está interessado é em construir uma relação de amor conosco, não apenas nos fazer acreditar que Ele existe. Não há nenhuma razão para pensar que, se Deus fizesse Sua existência mais manifesta, mais pessoas chegariam a uma relação salvífica com ele. Na verdade, não temos nenhuma maneira de saber que, em um mundo de pessoas livres no qual a existência de Deus é tão óbvia como o nariz em nossos rostos, mais pessoas viriam a amá-Lo e conhecer Sua salvação do que no mundo atual. Então, porém, a afirmação de que se Deus existisse Ele faria Sua existência mais evidente do que ela é tem pouca ou nenhuma base, minando assim a afirmação de que a ausência de tal evidência é em si mesma prova positiva de que Deus não existe. Pior ainda, se Deus é dotado de conhecimento médio, de tal forma que Ele sabe como qualquer pessoa livre agiria sob qualquer circunstância em que Deus pudesse coloca-la, então Deus pode ter providenciado o mundo atual de maneira a providenciar somente aquelas evidências e dons do Espírito Santo que Ele sabia que seriam adequadas para trazer aqueles com coração e mente abertas à fé salvífica. Portanto, a evidência é tão adequada quanto precisa ser.

(In)coerência do Teísmo. Uma das principais preocupações da Filosofia da Religião contemporânea é a coerência do teísmo. Durante a geração anterior o conceito de Deus era muitas vezes considerado um campo fértil para argumentos anti-teístas. A dificuldade com o teísmo, era dito, não era somente que não havia bons argumentos para a existência de Deus, mas, mais fundamentalmente, que a noção de Deus é incoerente.

Essa crítica anti-teísta evocou uma prodigiosa literatura dedicada à análise filosófica do conceito de Deus. Dois controles tendem a orientar este inquérito quanto à natureza divina: a Escritura e a teologia do Ser Perfeito. Para pensadores na tradição Judaico-Cristã, a concepção Anselmiana de Deus como o maior ser concebível ou o ser mais perfeito tem guiado especulações filosóficas sobre os dados brutos da escritura, de tal forma que os atributos bíblicos de Deus devem ser concebidos de maneiras que sirvam para exaltar a grandiosidade de Deus. Como o conceito de Deus não é determinado pelos dados bíblicos, e como o que constitui uma propriedade “que confere grandeza” é até certo ponto discutível, filósofos que trabalham dentro da tradição judaico-cristã desfrutam de liberdade considerável na formulação de uma doutrina de Deus filosoficamente coerente e biblicamente fiel. Teístas, assim, acham que críticas anti-teístas de certas concepções de Deus podem ser, na verdade, bem úteis para formular uma concepção mais adequada.

Por exemplo, a maioria dos filósofos cristãos da religião estão, atualmente, bastante contentes em negar que Deus é simples ou impassível ou imutável em qualquer sentido irrestrito, embora teólogos medievais afirmassem tais atributos divinos, visto que esses atributos não são atribuídos à Deus na Bíblia (e, até mesmo, parecem ser incompatíveis com as descrições bíblicas de Deus) e não são claramente conferidoras de grandeza. Acaso se verifique que certas noções como onipotência ou onisciência são inerentemente paradoxais sob certas definições (que nenhum ser pode ter todos os poderes, por exemplo, ou saber todas as verdades), essa conclusão, embora de considerável interesse acadêmico, seria, no fim, de pouca importância teológica, já que o que Deus não pode fazer ou saber em tais casos é tão recôndito que nenhuma incompatibilidade é assim demonstrada com o Deus descrito na Bíblia.

De fato, porém, uma doutrina dos atributos de Deus coerente pode ser formulada. Veja a onipotência, por exemplo. Esse atributo teimosamente resistiu a uma formulação adequada até a análise de Flint e Freddoso, publicada em 1983. Um aspecto chave sobre o conceito de onipotência é que ela deve ser definida em termos da capacidade de atualizar certos estados de coisas, em vez de termos de poder bruto. Portanto, a onipotência não deve ser entendida como o poder que é ilimitado em sua quantidade ou variedade. Se nós entendemos a onipotência em termos da habilidade de atualizar certos estados de coisas, então não é nenhuma atenuação da onipotência de Deus que Ele não pode fazer uma pedra pesada demais para Ele levantar, pois, visto que Deus é essencialmente onipotente, “uma pedra pesada demais para Deus levantar” descreve um estado de coisas tão logicamente impossível quanto “um triângulo quadrado” e, portanto, não descreve absolutamente nada.

Devemos dizer, então, que um agente S é onipotente se e somente se S pode atualizar qualquer estado de coisas que é amplamente logicamente possível? Não, pois certos estados de coisas podem ser logicamente possíveis, embora devido à passagem do tempo não sejam mais possíveis de atualizar. Chamemos estados de coisas passados que não são indiretamente atualizáveis por alguém após elas de passado “rígido”. Devemos, então, dizer que um agente S é onipotente em um tempo t se e somente se S pode, em t, atualizar qualquer estado de coisas que é amplamente logicamente possível para alguém compartilhando do mesmo passado rígido que S atualizar em t? Parece que não. Porque contrafatuais sobre ações livres criam outro problema. Tem-se controle sobre contrafatuais acerca das decisões livres de si mesmo, mas não sobre contrafatuais acerca das decisões livres de outros. Isso implica que uma definição adequada de onipotência não pode requerer que S seja capaz de atualizar estados de coisas descritos por contrafatuais acerca das decisões livres de outros agentes, pois isso seria demandar de S o logicamente impossível. Devemos dizer, então, que S é onipotente em um tempo t se e somente se S pode, em t, atualizar qualquer estado de coisas que é amplamente logicamente possível para S atualizar, dado o mesmo passado rígido em t e os mesmos contrafatuais verdadeiros acerca dos atos livres de outros? Essa parece quase certa. Porém, está aberta à reclamação de  que, se S é essencialmente incapaz de qualquer ação em particular, não importando o quão trivial, então a inabilidade de S para realizar essa ação não conta contra sua onipotência. Portanto, devemos abrandar a definição de tal forma a requerer que S desempenhe qualquer ação que qualquer agente em seu estado de coisas pudesse executar. A seguinte análise parece satisfatória: S é onipotente em um tempo t se e somente se S pode, em t, atualizar qualquer estado de coisas que não é descrita por contrafatuais acerca dos atos livres de outros e que é amplamente logicamente possível para alguém atualizar, dado o mesmo passado rígido em t e os mesmos contrafatuais verdadeiros sobre os atos livres de outros. Tal análise define com sucesso os parâmetros da onipotência de Deus sem impor nenhum limite não-lógico ao Seu poder.

Ou considere a onisciência. Na descrição padrão da onisciência, para qualquer pessoa S, S é onisciente se e somente se S sabe toda proposição verdadeira e não acredita em nenhuma proposição falsa. Nessa descrição, a excelência cognitiva de Deus é definida em termos de seu conhecimento proposicional. Algumas pessoas têm acusado que a onisciência, assim definida, é uma noção inerentemente paradoxal, como o conjunto de todas as verdades. Mas a definição padrão não nos compromete a qualquer tipo de totalidade de todas as verdades, porém apenas à quantificação universal em relação a verdades: Deus sabe toda verdade. Além disso, a definição padrão não propõe nos dizer o modo do conhecimento de Deus, mas meramente seu escopo e acurácia. Teólogos cristãos não tem tipicamente considerado o conhecimento de Deus como proposicional em natureza, mas como uma intuição não-dividida da realidade, a qual nós conhecedores finitos representamos para nós mesmos em termos de proposições. Nós expressamos proposicionalmente o que Deus sabe não-proposicionalmente. Nessa maneira de ver as coisas não existe, de fato, um número infinito de proposições, mas apenas tantas proposições quanto seres humanos tenham conscientizado. De fato, se alguém é um ficcionalista em relação a objetos abstratos como proposições, então proposições são apenas ficções uteis que nós utilizamos para descrever os estados de crença das pessoas, e o chão é limpo por baixo de quaisquer objeções formuladas com base em suposições platonistas quanto à realidade de proposições. Finalmente, são possíveis definições adequadas da onisciência divina que não fazem absolutamente nenhuma menção de proposições. Charles Taliaferro propõe, por exemplo, que a onisciência seja entendida em termos de poder cognitivo máximo, ou seja, uma pessoa S é onisciente se e somente se é metafisicamente impossível que exista algum ser com maior poder cognitivo que S e esse poder for completamente exercido.

Até agora, longe de debilitar o teísmo, as criticas anti-teístas da coerência do teísmo serviram principalmente pare refinar e fortalecer a crença teísta.

Problema do mal. Sem dúvida nenhuma o maior obstáculo para a crença em Deus é o assim chamado problema do mal. Durante aproximadamente o último quarto de século, uma enorme quantidade de análise filosófica foi dedicada a esse problema, e como resultado verdadeiro progresso filosófico nessa antiga questão foi feito.

Falando mais amplamente, devemos distinguir entre o problema intelectual do mal e o problema emocional do mal. O problema intelectual do mal diz respeito a como dar uma explicação racional da coexistência de Deus e mal. O problema emocional do mal diz respeito a como confortar aqueles que estão sofrendo e como dissolver o desgosto emocional que as pessoas têm de um Deus que permitiria tal mal.

Pensadores contemporâneos reconhecem que existem versões significativamente diferentes do problema intelectual do mal e têm atribuído diferentes rótulos a eles, como “dedutivo”, “indutivo”, “lógico”, “probabilístico”, “evidencial,” e assim por diante. Pode ser mais útil distinguir duas maneiras nas quais o problema intelectual do mal pode ser utilizado, seja como um problema interno ou como um problema externo. Ou seja, o problema pode ser apresentado em termos de premissas às quais o teísta está ou deve estar comprometido como um teísta, tal que a visão de mundo teísta está em contradição consigo mesma, ou pode ser apresentada em termos de premissas às quais o teísta não está comprometido como um teísta, porém que nós mesmo assim temos bons motivos para aceitar como verdadeiras.

É valoroso notar que ateus tradicionalmente têm apresentado o problema do mal como um problema interno para o teísmo. Isto é, ateus têm argumentado que as afirmações

A. Um Deus onipotente e onibenevolente existe.

e

B. A quantidade e tipos de sofrimento no mundo existem.

são ou logicamente inconsistentes ou improváveis em relação uma à outra. Como resultado do trabalho de filósofos cristãos como Alvin Plantinga, é hoje em dia reconhecido que o problema interno do mal é um fracasso como um argumento para o ateísmo. Ninguém nunca foi capaz de demonstrar que (A) e (B) são ou logicamente incompatíveis uma com a outra ou improváveis em relação uma à outra.

Tendo abandonado o problema interno, ateístas passaram, bem recentemente, a advogar o problema externo, muitas vezes chamado de problema evidencial do mal. Se nós tomamos Deus como essencialmente onipotente e onibenevolente, e chamamos o sofrimento que não é necessário para atingir algum bom adequadamente compensador de “mal gratuito”, o argumento pode ser simplesmente resumido:

1.  Se Deus existe, o mal gratuito não existe.

2. Mal gratuito existe.

3. Portanto, Deus não existe.

O que torna esse um problema externo é que o teísta não está comprometido, graças à sua visão do mundo, à verdade de (2). O teísta cristão está comprometido com a verdade de que O mal existe, mas não que Mal gratuito existe. Por isso, o ateu afirma que o sofrimento aparentemente sem sentido e desnecessário no mundo constitui evidência contra a existência de Deus.

Bem, a premissa mais controversa nesse argumento é (2). Todo mundo admite que o mundo está cheio de sofrimento aparentemente gratuito. Porém, isso não quer dizer que esses males aparentemente gratuitos são gratuitos. Existem pelo menos três razões por que a inferência do mal genuinamente gratuito a partir do mal aparentemente gratuito é ténue.

1. Nós não estamos em uma boa posição para saber com confiança a probabilidade de Deus não ter razões moralmente suficientes para permitir o sofrimento no mundo. O fato da existência de Deus ser improvável relativamente ao mal no mundo depende de quão provável é que Deus tenha razões moralmente suficientes para permitir o mal que ocorre. O que torna essa probabilidade tão difícil de julgar é que nós não estamos em uma boa posição epistêmica para fazer esse tipo de julgamento probabilístico com qualquer tipo de confiança. Apenas uma mente onisciente poderia compreender as complexidades de providencialmente direcionar um mundo de criaturas livres rumo à objetivos pré-envisionados.  É preciso apenas pensar sobre as contingências inumeráveis, incalculáveis, envolvidas com o acontecimento de um único evento histórico – por exemplo, a promulgação da política de Lend-Lease [Empréstimo e Arrendamento] pelo Congresso Americano antes da entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial. Nós não temos nenhuma ideia dos males morais e naturais que podem estar envolvidos para que Deus possa organizar as circunstâncias e agentes livres necessários a um evento como esse. Dizer isso não é apelar ao mistério, porém apontar para as inerentes limitações cognitivas que frustram tentativas de dizer que é improvável que Deus tenha uma razão moralmente suficiente para permitir algum mal em particular.

Ironicamente, em outros contextos, ateus reconhecem essas limitações cognitivas. Uma das objeções mais prejudiciais à teoria ética utilitária, por exemplo, é que é simplesmente impossível para nós estimar que ação que possamos realizar levará, ultimamente, à maior quantidade de felicidade e prazer no mundo. Graças à nossas limitações cognitivas, ações que parecem desastrosas em curto termo podem resultar no maior bem, enquanto algum benefício de curto termo pode causar miséria indizível. Uma vez que contemplamos a providência de Deus ao longo da totalidade da história, então se torna evidente quão sem esperança é para nós, observadores limitados, especular sobre a probabilidade de que algum mal que vemos ser ultimamente gratuito. Nossa falha em discernir a razão moralmente justificante para a ocorrência de vários males dá muito pouca base para pensar que Deus – especialmente um Deus equipado com conhecimento médio – não tem razões moralmente suficientes para permitir os males que nós observamos no mundo.

2. O teísmo Cristão implica em doutrinas que aumentam a probabilidade da coexistência de Deus e mal. O ateísta mantém que, se Deus existe, então é improvável que o mundo fosse conter os males que contém. Agora, o que o teísta Cristão pode fazer em reposta a tal declaração é oferecer várias hipóteses que tenderiam a aumentar a probabilidade do mal dada a existência de Deus: Pr (Mal/Deus&Hipótese) > Pr (Mal/Deus). O cristão pode tentar mostrar que, se Deus existe e essas hipóteses são verdadeiras, então não é tão surpreendente que o mal exista. Essas hipóteses são várias doutrinas cristãs, tal que a afirmação do Cristão de que o mal observado no mundo é mais provável no teísmo Cristão do que no mero teísmo (ou, alternativamente, que essas doutrinas deveriam nos levar a rever Pr (Mal/Deus) para cima à luz da realização de que Pr (Mal/Deus Cristão) não é tão baixa, afinal). Quatro doutrinas cristãs vêm a mente nessa conexão.

Primeiro, o principal propósito da existência humana não é a felicidade, mas o conhecimento de Deus. Uma razão pela qual o problema do mal parece tão intrigante é que nós tendemos a pensar que se Deus existe, então Seu objetivo para a vida humana é felicidade nesse mundo. O papel de Deus é prover um ambiente confortável para seus bichinhos humanos. Mas, na visão Cristã, isso é falso. Nós não somos os bichinhos de Deus, e o fim do homem não é felicidade nesse mundo, mas o conhecimento de Deus – que ultimamente trará a verdadeira e eterna realização humana. Muitos males ocorrem na vida que podem ser totalmente inúteis à meta de produzir felicidade humana nesse mundo, mas eles podem não ser inúteis em relação a produzir o conhecimento de Deus. Para prosseguir com seu argumento, o ateu deve mostrar que é factível para Deus criar um mundo no qual o mesmo conhecimento de Deus é alcançado, porém com muito menos mal – o que é pura especulação.

Segundo, à humanidade foi concedida liberdade moral significativa para se rebelar contra Deus e seu propósito. Em vez de se submeter e adorar a Deus, as pessoas se rebelam contra Deus e seguem seus próprios caminhos, e, com isso, se acham alienados de Deus, moralmente culpados perante Ele, e tateando nas trevas espirituais, perseguindo falsos deuses de sua própria criação. Os terríveis males humanos no mundo são testemunhas à depravação do homem nesse estado de alienação espiritual de Deus.

Terceiro, o conhecimento de Deus deságua na vida eterna. Na visão Cristã, essa vida terrena é apenas uma preparação momentânea para a vida imortal. Na vida após a morte Deus dará àqueles que confiaram Nele para a salvação uma vida eterna de alegria indizível. Dada a perspectiva de vida eterna, não deveríamos esperar ver, nessa vida, a compensação de Deus por todo mal que experimentamos. Alguns podem ser justificados somente à luz da eternidade.

Quarto, o conhecimento de Deus é um bem incomensurável. Conhecer Deus, a fonte de infinita bondade e amor, é um bem incomparável, a realização da existência humana. Os sofrimentos dessa vida não podem nem ao menos ser comparados a isso. Portanto, a pessoa que conhece Deus, não importa o que ela sofra, não importa quão terrível seja sua dor, ainda pode dizer, com sinceridade, que “Deus é bom pra mim”, simplesmente em virtude do fato de que ele conhece Deus.

Essas quatro doutrinas Cristãs aumentam a probabilidade da coexistência de Deus e dos males do mundo. Elas, portanto, servem para diminuir qualquer improbabilidade que esses males podem parecer impor sobre a existência de Deus. Para sustentar seu argumento, o ateu terá que mostrar que essas doutrinas são, elas mesmas, improváveis.

3. Há mais fundamentação para acreditar que Deus existe do que que o mal no mundo é realmente gratuito. Foi dito que o modus ponens de um homem é o modus tollens de outro. O próprio argumento do ateu, portanto, pode ser virado contra ele:

1. Se deus existe, o mal gratuito não existe

2*. Deus existe.

3*. Portanto, o mal gratuito não existe.

Portanto, se Deus existe, então o mal no mundo não é realmente gratuito.

Então a questão é quem é verdade: (2) ou (*2)? Para provar que Deus não existe, ateus teriam que mostrar que (2) é significantemente mais provável que (2*). Como Daniel Howard-Snyder nota em seu livro The Evidential Problem of Evil [O Problema Evidencial do Mal], um argumento a partir do mal é um problema apenas para a pessoa “que acha todas suas premissas e inferências convincentes e que tem fundamentos ruins para acreditar no teísmo”.7 Mas, se alguém tem razões melhores para acreditar que Deus existe, então o mal “não é um problema.”8  O teísta Cristão deve manter que, quando levamos em conta todo o escopo da evidência, então a existência de Deus se torna bem provável, mesmo se o problema do mal, tomado isoladamente, torne a existência de Deus improvável.

Argumentos Convincentes em favor do Teísmo

O renascimento da filosofia Cristã ao longo do último meio século tem sido acompanhado por uma reapreciação dos argumentos tradicionais para a existência de Deus. Limitações de espaço permitem a menção de apenas quatro tais argumentos aqui.

Argumento da Contingência. Uma afirmação simples do argumento pode prosseguir assim:

1. Qualquer coisa que exista tem uma explicação de sua existência (seja na necessidade de sua própria natureza ou em uma causa externa).

2. Se o universo tem uma explicação de sua existência, essa explicação é Deus.

3. O universo existe.

4. Portanto, a explicação da existência do universo é Deus.

A premissa (1) é uma versão modesta do Princípio da Razão Suficiente. Ela contorna as objeções ateístas típicas a versões fortes desse princípio. Porque (1) requer apenas que qualquer coisa existente tenha uma explicação de sua existência. Essa premissa é compatível com a existência de fatos brutos sobre o mundo. O que ela impede é que possam haver coisas que simplesmente existem inexplicavelmente. Esse princípio parece bem plausível, pelo menos mais que seu oposto. Vêm à mente a ilustração de Richard Taylor de achar uma bola translúcida ao caminhar na floresta. Achar-se-ia muito estranha a afirmação bizarra de que a bola simplesmente existe inexplicavelmente; e aumentar o tamanho da bola, mesmo até ela se tornar coextensiva com o cosmos, não faria nada para removar a necessidade de uma explicação de sua existência.

A premissa (2) é, em efeito, a contrapositiva da típica resposta ateísta de que, na visão de mundo ateia, o universo simplesmente existe como uma coisa bruta contingente. Além disso, (2) parece bem plausível por si só. Pois se o universo, por definição, inclui toda a realidade física, então a causa do universo deve (pelo menos causalmente antes da existência do universo) transcender o espaço e o tempo e, portanto, não pode ser temporal ou material. Porém, existem apenas dois tipos de coisas que poderiam se adequar a essa definição: ou um objeto abstrato ou, então, uma mente. Mas objetos abstratos não se encontram em relações causais. Portanto, segue-se que a explicação do universo é uma causa externa, transcendente, pessoal – o que é um dos significados de “Deus”.

Por fim, (3) afirma o óbvio – que há um universo. Segue-se que Deus existe.

Está aberto ao ateísta replicar que, embora o universo tenha uma explicação desua existência, essa explicação não se encontra em um fundamento externo, mas na necessidade de sua própria natureza; em outras palavras, (2) é falso. Esta é, porém, uma afirmação extremamente atrevida, que ateus não têm sido ávidos para abraçar. Nós temos, pode-se afirmar seguramente, uma intuição forte da contingência do universo. Um mundo possível em que nenhum objeto concreto exista parece certamente concebível. Nós geralmente confiamos em nossas intuições modais em relação a outros assuntos familiares; se formos fazer o contrário em respeito à contingência do universo, então o ateu precisa providenciar alguma razão para tal ceticismo além de sua vontade de evitar o teísmo. Além disso, como veremos abaixo, nós temos boas razões para pensar que o universo não existe por uma necessidade de sua própria natureza.

Argumento Cosmológico. Uma versão simples do argumento pode seguir de tal forma:

1. Tudo que passa a existir tem uma causa.

2. O universo passou a existir.

3. Portanto, o universo tem uma causa.

A análise conceitual do que significa ser a causa do universo, então, ajuda a estabelecer algumas das propriedades teologicamente significantes desse ser.

A premissa (1) parece obviamente verdadeira – pelo menos, mais do que sua negação. Ela está fundamentada na intuição metafísica de que algo não pode vir a existir a partir de nada. Se coisas pudessem realmente passar a existir a partir de nada, então se torna inexplicável porque simplesmente tudo e qualquer coisa não passam a existir não causados a partir do nada. Além disso, a convicção de que uma origem do universo requer uma explicação causal parece bem razoável, pois na visão ateísta, se o universo começou no Big Bang, então não havia nem a potencialidade da existência do universo antes do Big Bang, já que nada é anterior ao Big Bang. Mas, então, como poderia o universo se tornar real, se não havia sequer a potencialidade da sua existência? Faz muito mais sentido dizer que a potencialidade do universo reside no poder de Deus para cria-lo. Finalmente, a primeira premissa é constantemente confirmada em nossa experiência. Ateístas que são naturalistas científicos, assim, tem a mais forte das motivações para aceita-la.

A premissa (2), a premissa mais controversa, pode ser apoiada tanto por argumentos dedutivos, filosóficos, como por argumentos indutivos, científicos. Proponentes clássicos do argumento alegaram que um regresso temporal infinito de eventos não pode existir, visto que a existência de um número realmente infinito (ao contrário de meramente potencialmente infinito) de coisas leva a absurdidades intoleráveis. A melhor maneira de se apoiar essa afirmação ainda é através de experimentos mentais, como o famoso Hotel de Hilbert9, que ilustra os vários absurdos que resultariam se um infinito real fosse instanciado no mundo real. É usualmente alegado que esse tipo de argumento foi invalidado pelo trabalho de Georg Cantor sobre o infinito real. Mas a teoria dos conjuntos Cantoriana pode ser interpretada como sendo simplesmente um universo do discurso, um sistema matemático baseado em certos axiomas e convenções adotados. O defensor do argumento pode manter que, embora o infinito real possa ser um conceito consistente e frutífero no universo postulado do discurso, ele não pode ser transposto para o mundo espaço-temporal, pois isso envolveria absurdos contraintuitivos. Ele é livre para rejeitar visões Platonistas dos objetos matemáticos em favor de visões não platonistas, como o ficcionalismo ou o conceitualismo divino combinado com a simplicidade da cognição de Deus.

Um segundo argumento para o início do universo oferecido por proponentes clássicos é que séries temporais de eventos passados não podem ser um infinito real, pois uma coleção formada por adição sucessiva não pode ser realmente infinita. Para que nós possamos ter “chegado” no hoje, a existência temporal atravessou (por assim dizer) um número infinito de eventos anteriores. Porém, antes que o presente chegar, o evento imediatamente anterior a ele teria que chegar; e antes que esse evento pudesse chegar, o evento imediatamente anterior a ele teria que chegar; e assim por diante ad infinitum. Nenhum evento poderia chegar, já que antes que ele pudesse decorrer, sempre haverá mais um evento que precisa ter acontecido antes. Dessa forma, se a série de eventos passados não tivesse inicio, o presente não poderia ter chegado, o que é absurdo.

É frequentemente objetado que esse tipo de argumento ilicitamente pressupõe um ponto inicial infinitamente distante no passado e então pronúncia como impossível viajar desse ponto até hoje, enquanto na verdade, para qualquer dado ponto no passado, há apenas uma distância finita ao presente, que é facilmente atravessada. Mas proponentes do argumento, na verdade, não assumiram que havia um ponto inicial infinitamente distante no passado.

Atravessar uma distância é cruzar toda parte adequada da mesma. Dessa forma, travessia não implica que a distância atravessada tem um ponto inicial ou final ou uma parte inicial ou final. O fato de que não há nenhum inicio sequer, nem mesmo um infinitamente distante, parece apenas tornar o problema pior, não melhor. Dizer que o passado infinito pode ter sido formado por adição sucessiva é como dizer que alguém acabou de ter sucesso em escrever todos os números negativos, terminando em -1. E, podemos perguntar, como a afirmação de que a partir de qualquer dado momento no passado há apenas uma distância finita ao presente sequer relevante ao assunto? Afinal, a questão é como a série inteira pode ser formada, não uma porção finita dela. Pensar que, já que todo segmento finito de uma série pode ser formado por adição sucessiva, toda a série infinita também pode, é cometer a falácia da composição.

Um terceiro argumento para o começo do universo é um argumento indutivo baseado na evidência contemporânea para a expansão do universo. O modelo padrão do Big Bang não descreve a expansão do conteúdo material do universo em um espaço pré-existente, vazio, mas, ao contrário, a expansão do próprio espaço. Isso tem a implicação surpreendente de que, conforme se extrapola de volta no tempo, a curvatura do espaço-tempo se torna progressivamente maior, até que se chega em uma singularidade, na qual a curvatura do espaço-tempo se torna infinita. Constitui, portanto, uma borda ou limite ao próprio espaço-tempo.

A história da cosmologia do século XX tem, em um sentido, sido uma série de tentativas falhas de elaborar modelos não-padrão aceitáveis do universo em expansão, a fim de evitar o início absoluto previsto pelo modelo padrão. Embora tais teorias sejam possíveis, o veredito esmagador da comunidade científica tem sido que nenhuma delas é mais provável que a teoria do Big Bang. Não há modelo matematicamente consistente que tenha sido tão bem sucedido em suas predições ou tão corroborado pela evidência como a teoria tradicional do Big Bang. Por exemplo, algumas teorias, como o Universo Oscilatório (que se expande e re-contrai para sempre) ou o Universo Inflacionário Caótico (que continuamente gera novos universos), de fato tem um futuro potencialmente infinito, mas acabam tendo apenas um passado finito. Teorias do Universo como Flutuação do Vácuo (que postulam um vácuo eterno do qual nosso universo nasce) não podem explicar porque, se o vácuo era eterno, nós não observamos um universo infinitamente velho. A proposta do Universo Sem Fronteiras de Hartle e Hawking, se interpretada realisticamente, continua envolvendo uma origem absoluta do universo, mesmo que o universo não comece em uma singularidade, como na teoria padrão do Big Bang. Cenários recentemente propostos de um Universo Cíclico Ekpirótico, baseados na teoria das cordas ou na teoria-M, também foram demonstrados como, não apenas recheados de problemas, mas, mais significantemente, implicando a própria origem do universo que seus proponentes procuravam evitar.  É claro, resultados científicos são sempre provisionais, mas não há dúvidas de que alguém se encontra confortavelmente dentro do mainstream científico ao afirmar a veracidade da premissa (2).

Um quarto argumento para a finitude do passado é, também, um argumento indutivo, apelando para as propriedades termodinâmicas do universo. De acordo com a Segunda lei da Termodinâmica, processos ocorrendo dentro de um sistema fechado tendem a estados de maior entropia a medida que sua energia é usada. Já no século dezenove alguns cientistas perceberam que a aplicação da Lei ao universo como um todo (o qual, em pressupostos naturalistas, é um sistema fechado gigante, já que é tudo que existe) implicava numa conclusão escatológica sombria: dado tempo o suficiente, o universo iria, eventualmente, chegar a um estado de equilíbrio e sofrer morte térmica. Mas essa projeção aparentemente firme suscitou uma pergunta ainda mais profunda: se, dado tempo suficiente, o universo vai sofrer morte térmica, então por que, se sempre existiu, ele não está, nesse momento, em um estado de morte térmica? O advento da teoria da relatividade alterou a forma do cenário escatológico predito com base na Segunda Lei, mas não afetou substancialmente essa questão fundamental. A evidência astrofísica indica, esmagadoramente, que o universo vai se expandir para sempre. Enquanto o faz, ele se tornará cada vez mais frio, sombrio, diluído e morto. Eventualmente, toda a massa do universo será apenas um gás frio e fino de partículas elementares e radiação, cada vez mais diluído à medida que se expande rumo à escuridão infinita – um universo em ruínas.

Mas isso levanta a pergunta: se em uma quantidade finita de tempo o universo vai alcançar um estado frio, sombrio, diluído e sem vida, então por que, se existe há tempo infinito, ele não está, agora,em tal estado? Para evitar a conclusão de que o universo, de fato, não existe desde sempre, então se deve encontrar alguma maneira cientificamente plausível de revogar os achados da cosmologia física, de modo a permitir que o universo retorne à sua condição juvenil. Porém, nenhum cenário realista e plausível é iminente.10 A maioria dos cosmólogos concordamcom o físico P. C. W. Davies que, gostemos ou não, nós parecemos obrigados a concluir que a condição de baixa entropia do universo foi simplesmente “posta” como uma condição inicial no momento da criação.11

Temos, portanto, boas bases filosóficas e científicas para afirmar a segunda premissa do argumento cosmológico. É notável que essa premissa é uma afirmação religiosamente neutra, a qual pode ser encontrada em qualquer livro sobre cosmologia astrofísica, de tal forma que acusações simplistas de teologia “Deus-das-lacunas” não encontram nenhum valor. Além disso, como um ser que existe por uma necessidade de sua própria natureza deve existir ou atemporalmente ou sempiternamente (de outro modo, seu passar a existir ou cessar de ser tornaria evidente que sua existência não é necessária), prossegue que o universo não pode ser metafisicamente necessário, fato que fecha a saída final no argumento da contingência acima.

Se segue logicamente que o universo tem uma causa. Análise conceitual de quais propriedades devem ser possuídas por tal causa extramundana nos permitem recuperar uma quantidade impressionante dos atributos divinos tradicionais, revelando que, se o universo tem uma causa, então um Criador pessoal e não causado do universo existe, o qual sem o universo é sem inicio, imutável, imaterial, atemporal, não espacial e extremamente poderoso.12

Argumento Teleológico. Nós podemos formular um argumento de design como a seguir:

1. O ajuste-fino do universo deve-se à necessidade física, acaso ou desígnio.

2. Não se deve à necessidade física nem ao acaso.

3. Logo, é devido a desígnio.

O que significa “ajuste-fino”? As leis físicas do universo, quando dadas expressão matemática, contêm várias constantes, como a constante gravitacional, cujos valores são independentes das leis em si; além disso, há certas quantidades arbitrárias que estão simplesmente postas como condições limites nas quais o as leis do universo devem operar – por exemplo, a condição inicial de baixa entropia do universo. Por “ajuste-fino” se entende que os valores reais assumidos pelas constantes e quantidades em questão são tais que pequenos desvios em relação a esses valores tornariam o universo desfavorável à vida, ou, alternativamente, que a faixa de valores que permitem a vida é incompreensivelmente estreita em comparação à faixa de valores que podem ser assumidos.

Leigos podem pensar que, se as constantes tivessem assumido valores diferentes, então outras formas de vida poderiam muito bem ter evoluído. Mas esse não é o caso. Por “vida” os cientistas se referem àquela propriedade dos organismos de obter comida, extrair energia dela, crescer, se adaptar ao seu ambiente e se reproduzir. O ponto é que, para que o universo possa permitir a vida assim-definida, qualquer que seja a forma que esses organismos possam ter, as constantes e quantidades devem ser incompreensivelmente bem ajustadas. Na ausência de ajuste-fino, nem mesmo matéria ou química existiria, para não mencionar planetas onde a vida possa evoluir.

Objetou-se que, em universos governados por leis da natureza diferentes, tais consequências deletérias poderiam não resultar da variação dos valores das constantes e quantidades. O teleólogo não precisa negar essa possibilidade. Tudo que ele precisa mostrar é que, entre possíveis universos governados pelas mesmas leis (mas tendo valores diferentes para as constantes e quantidades) que o universo real, aqueles favoráveis à vida são extraordinariamente improváveis.

Agora, a premissa (1) estabelece as três alternativas viáveis no pool de opções para explicar o ajuste-fino cósmico. A pergunta é qual é a melhor explicação.

À primeira vista, a alternativa da necessidade física parece extraordinariamente implausível. Como vimos, os valores das constantes e quantidades físicas são independentes das leis da natureza. Se a matéria e anti-matéria primordiais fossem proporcionadas diferentemente, se o universo tivesse expandido apenas um pouco mais lentamente, se a entropia do universo fosse marginalmente maior; qualquer um desses ajustes (e mais) teriam prevenido um universo que permite a vida, porém todos eles parecem perfeitamente possíveis, fisicamente. A pessoa que mantém que o universo tem que permitir a vida está adotando uma postura radical que requer provas fortes. Mas até agora não há nenhuma; essa alternativa é avançada como uma mera possibilidade.

Às vezes os físicos, de fato, falam sobre uma ainda não descoberta Teoria de Tudo (T.D.T), mas tal nomenclatura é, como muitos dos coloridos nomes dados à teorias científicas, bem enganoso. Uma T.D.T., na verdade, tem o objetivo limitado de providenciar uma teoria unificada das quatro forças fundamentais da natureza, mas nem mesmo tentará explicar, literalmente, tudo. Por exemplo: nas candidatas mais promissoras à T.D.T. até hoje, a teoria das supercordas ou a teoria-M, o universo físico precisa ser 11-dimensional, porém o porquê de o universo ter de possuir exatamente esse número de dimensões não é tratado pela teoria. A Teoria-M simplesmente substitui ajuste-fino geométrico por ajuste-fino de forças.

Além disso, parece provável que qualquer tentativa de reduzir significantemente o ajuste-fino acabará ela mesma envolvendo ajuste-fino.  Esse certamente foi o padrão no passado. À luz da especificidade e número de instâncias de ajuste-fino, é improvável que ele desapareça com os próximos avanços da teoria física.

O que, então, da alternativa do acaso? Teleólogos buscam eliminar essa hipótese ou apelando à complexidade especificada do ajuste-fino cósmico (uma abordagem estatística à inferência de desígnio), ou por argumentar que o ajuste-fino é significativamente mais provável na hipótese de desígnio (teísmo) do que na do acaso (ateísmo) (uma abordagem Bayesiana). Comum a ambas as abordagens é a afirmação de que o universo permitir a vida é altamente improvável.

Para salvar a hipótese da chance, defensores dessa alternativa têm cada vez mais recorrido à Hipótese de Muitos Mundos, de acordo com a qual um Conjunto de Mundos de universos concretos existe, dessa forma multiplicando seus recursos probabilísticos.  Para garantir que, graças apenas ao acaso, um universo como o nosso aparecerá em algum lugar no Conjunto, um número realmente infinito de universos é normalmente postulado. Mas isso não é o bastante; também é preciso estipular que esses mundos são randomicamente organizados em relação aos valores de suas constantes e quantidades, para que eles não sejam de variedade insuficiente para incluir um universo que permita a vida.

É a Hipótese de Muitos Mundos uma explicação tão boa como a Hipótese do Design?

Isso parece duvidoso. Em primeiro lugar, como uma hipótese metafísica, a Hipótese de Muitos Mundos é discutivelmente inferior a Hipótese de Design, pois a última é mais simples. De acordo com a Navalha de Ockham, nós não deveríamos multiplicar causas além do que é necessário para explicar o efeito. Mas é mais simples postular um Inventor Cósmico para explicar o nosso universo do que postular a ontologia infinitamente inchada e forçada da Hipótese de Muitos Mundos. Só se o teorista de Muitos Mundos conseguisse mostrar que há um mecanismo único, comparativamente simples, para gerar um Conjunto de Mundos de universos randomicamente variados, ele seria capaz de evitar essa dificuldade.

Segundo, não há nenhuma maneira conhecida de se gerar um Conjunto de Mundos. Ninguém foi capaz de explicar como ou porque tal coleção de universos variados deveria existir. Algumas propostas, como o cenário cósmico evolucionário de Lee Smolin, na verdade, serviram para eliminar universos que permitem a vida, enquanto outras, como o cenário inflacionário caótico de Andre Linde, terminaram por precisar de ajuste-fino eles mesmos.

Terceiro, não há evidencial para a existência de um Conjunto de Mundos à parte do próprio ajuste-fino. Mas o ajuste-fino é, igualmente, evidência para um Inventor Cósmico. De fato, a hipótese de um Inventor Cósmico é mais uma vez a melhor explicação, pois nós temos evidências independentes para a existência de tal ser nos outros argumentos teístas.

Quarto, se nosso universo é apenas um membro de um Conjunto de Mundos infinito de universos randomicamente variados, então é esmagadoramente mais provável que nós devêssemos estar observando um universo muito diferente do que o que de fato observamos. Roger Penrose calcula que as chances da condição de baixa entropia do nosso universo serem obtidas por apenas chance são da ordem de 1:1010(123), um número inconcebivelmente pequeno. Em contraste, as chances de o nosso sistema solar ser formado instantaneamente por colisões aleatórias de partículas é, de acordo com Penrose, cerca de 1:1010(60) – um número grande, mas inconcebivelmente maior que 1010(123). Se nosso universo fosse apenas mais um membro de uma coleção de mundos aleatoriamente ordenados, então é vastamente mais provável eu nós devêssemos estar observando um universo bem menor. Adotar a Hipótese dos Muitos Mundos para explicar o ajuste-fino, portanto, resulta em um ilusionismo bizarro: é bem mais provável que todas nossas estimativas astronômicas, geológicas e biológicas de idade estejam erradas e que a aparência do nosso largo e antigo universo seja uma grande ilusão. Ou, novamente, se o nosso universo é apenas um membro de um Conjunto de Mundos, então nós deveríamos estar observando eventos altamente extraordinários, como cavalos entrando e saindo de existência através de colisões aleatórias, ou máquinas de moção perpétua, já que essas coisas são grandemente mais prováveis do que o cair, por chance, de todas as constantes e quantidades da natureza na faixa virtualmente infinitesimal de permissibilidade à vida. Universos observáveis como aqueles são muito mais abundantes no conjunto de universos do que mundos como o nosso e, portanto, deveriam ser observados por nós, caso o universo não fosse nada mais que um membro de um conjunto de mundos. Visto que não temos tais observações, isso fortemente invalida a hipótese do multiverso. Dado o ateísmo, pelo menos, é, portanto, altamente provável que não exista nenhum Conjunto de Mundos. Penrose conclui que explicações antrópicas são tão “impotentes” que é, na verdade, “equivocado” apelar à elas para explicar as características especiais do universo.13 Portanto, a Hipótese de Muitos Mundos falha como uma explicação plausível do ajuste-fino cósmico.

Parece, portanto, que o ajuste fino do universo não é plausivelmente devido nem a necessidade física nem a chance. A não ser que a hipótese de desígnio seja demonstrada como ainda mais implausível que seus competidores, segue-se que o ajuste-fino do universo é devido à desígnio.

Argumento Moral. Teístas tem apresentado uma grande variedade de justificativas morais para acreditar em uma Divindade. Um desses argumentos pode ser formulado como se segue:

1. Se Deus não existe, valores e deveres morais objetivos não existem.

2. Valores e deveres morais objetivos existem.

3. Portanto, Deus existe.

Considere a premissa (1).  Falar de valores e deveres morais objetivos é falar que distinções morais entre o que é bom/mal ou certo/errado são verdadeiras independentemente de qualquer ser humano acreditar nelas. Muitos teístas e ateus concordam que, se Deus não existe, então valores e deveres morais não são objetivos nesse sentido.

Afinal, se Deus não existe, qual é o fundamento dos valores morais? Mais particularmente, qual é a base para o valor de seres humanos? Se Deus não existe, então é difícil ver qualquer razão para pensar que seres humanos são especiais, ou que sua moralidade é objetivamente válida. Além disso, por que pensar que nós temos qualquer obrigação moral de fazer alguma coisa? O quê ou quem impõe quaisquer deveres morais em nós? Como resultado de pressões socio-biológicas, surgiu entre o homo sapiens uma espécie de “moral de rebanho” que funciona bem na perpetuação da nossa espécie na luta pela sobrevivência. Mas não parece haver nada sobre o homo sapiens que faça essa moralidade objetivamente obrigatória. Se o filme da história evolucionária fosse rebobinado e filmado novamente, criaturas bem diferentes com um conjunto de valores bem diferentes poderiam muito bem ter evoluído. Com que direito nós consideramos nossa moralidade como objetiva, e não a deles? Como o filósofo humanistas Paul Kurtz põe: “A pergunta central sobre princípios morais e éticos diz respeito à seus fundamentos ontológicos. Se eles não são nem derivados de Deus nem ancorados em algum fundamento transcendente, são eles meramente efêmeros?”14

Alguns filósofos, tão avessos a valores morais transcendentalmente existentes quanto ao teísmo, tentam manter a existência de princípios morais objetivos ou propriedades morais supervenientes no contexto de uma visão de mundo naturalista. Porém, os defensores de tais teorias tipicamente não conseguem justificar seu ponto inicial. Se não há nenhum Deus, então é difícil ver qualquer razão para pensar que a moralidade de rebanho evoluída pelo homo sapiens é objetivamente verdadeira, ou que a bondade moral sobrevém em certos estados naturais de tais criaturas. Pondo cruamente, na visão ateísta os humanos são apenas animais; e animais não são agentes morais.

Se nossa abordagem à teoria meta-ética for ser metafísica séria, e não somente uma abordagem “lista de compras”, na qual alguém simplesmente se ajuda até os princípios ou propriedades morais supervenientes necessários para o trabalho, então alguma espécie de explicação é requerida de porque propriedades morais sobrevêm em certos estados naturais, ou porque tais princípios são verdadeiros.15 É insuficiente para o naturalista mostrar que nós, de fato, apreendemos a bondade de alguma característica da existência humana, pois isso serve somente para estabelecer a objetividade de valores e deveres morais, o que é meramente a premissa (2) do argumento moral.

Nós, portanto, precisamos perguntar se valores e deveres morais podem ser plausivelmente ancorados em algum fundamento transcendente não-teísta. Chamemos essa visão de Realismo Moral Ateísta. Realistas morais ateístas afirmam que valores e deveres morais objetivos de fato existem e não dependem da evolução ou da opinião humana, porém insistem que eles não se fundamentam em Deus. De fato, valores morais não tem nenhum outro fundamento. Eles simplesmente existem.

É difícil, porém, sequer compreender essa posição. O que significa dizer, por exemplo, que o valor moral Justiça simplesmente existe? É difícil saber o que fazer disso. É claro o se quer dizer quando é dito que uma pessoa é justa; porém, é desconcertante quando se diz que, na ausência de quaisquer pessoas, a Justiça em si existe.

Segundo, a natureza da obrigação moral parece incompatível com o Realismo Moral Ateísta. Suponha que valores como Misericórdia, Justiça, Paciência e afins simplesmente existem. Como isso resulta em quaisquer obrigações morais para mim? Por que eu teria um dever moral de, por exemplo, ser misericordioso? O que ou quem impõe tal obrigação em mim? Nessa visão, vícios morais como Ganância, Ódio e Egoísmo também, presumivelmente, existem como objetos abstratos. Por que eu sou obrigado a alinhar minha vida com um conjunto desses objetos abstratamente existentes, e não outro? Em contraste com o ateu, o teísta pode dar sentido à obrigação moral, pois os comandos de Deus podem ser vistos como constituintes de nossos deveres morais.

Em terceiro lugar, é fantasticamente improvável que exatamente esse tipo de criaturas as quais correspondem ao domínio abstratamente existente dos valores morais fossem emergir do cego processo evolutivo. Essa parece ser uma coincidência completamente incrível quando se pensa nela. É quase como se o domínio moral soubesse que nós estávamos vindo. É bem mais plausível considerar tanto o domínio natural quanto o moral como sob a hegemonia de um Criador e Legislador divino do que pensar que essas ordens da realidade inteiramente independentes simplesmente se engrenaram, ao acaso.

Embora meta-éticas teístas assumam uma rica variedade de formas, está havendo nos últimos anos uma ressurgência de interesse na Moralidade de Comando Divino, que entende nossos deveres morais como nossas obrigações a Deus à luz de Seus comandos morais – por exemplo: “Ame o próximo como a si mesmo”, e assim por diante. Nossos deveres morais são constituídos pelos comandos de um Deus imparcial e amoroso. Pra qualquer ação A e agente moral S, podemos explicar as noções de requerimento moral, permissão e proibição de A para S:

A é requerido de S se e somente se um Deus imparcial e amoroso comanda S a fazer A.

A é permitido para S se e somente se um Deus imparcial e amoroso não comanda S a não fazer A.

A é proibido para S se e somente se um Deus imparcial e amoroso comanda S a não fazer A.

Como nossos deveres morais são baseados nos comandos divinos, eles não são independentes de Deus, nem é Deus sujeito a deveres morais, visto que Ele não emite comandos para Si mesmo. Também não são os comandos de Deus arbitrários, visto que eles são expressões necessárias de Sua natureza.

Pode ser perguntado por que a natureza de Deus deve ser compreendida como definitiva da verdade. Porém, a não ser que sejamos niilistas, temo que reconhecer algum padrão definitivo de valor, e Deus parece ser o ponto de parada menos arbitrário. Além disso, a natureza de Deus é singularmente apropriada para servir como tal padrão. Pois, por definição, Deus é o maior ser concebível, e é mais grandioso ser o paradigma do valor moral do que meramente se conformar a tal padrão. Mais especificamente, Deus é, por definição, digno de adoração. E apenas um ser que é a fonte e origem de todo valor é digno de adoração.

Argumentos tradicionais para a existência de Deus como os acima, para não mencionar criativos novos argumentos, estão vivos e bem no cenário contemporâneo na filosofia Anglo-Americana. Juntamente com a falha de argumentos anti-teístas, eles ajudam a explicar o renascimento de interesse no teísmo.

Notas

1 Paul Benacerraf, “What Mathematical Truth Could Not Be—I,” em Benacerraf and His Critics, ed. Adam Morton e Stephen P. Stich (Oxford: Blackwell: 1996), p. 18.

2 A mudança não passou despercebida nem na cultura popular. Em 1980 a revista Time publicou uma grande história titulada “Modernizando o Caso para Deus”, na qual era descrito o movimento entre filósofos contemporâneos para renovar os argumentos tradicionais para a existência de Deus. A Time se maravilhava: “Em uma revolução silenciosa em pensamento e argumento que quase ninguém poderia ter previsto apenas duas décadas atrás, Deus está contra-atacando. Mais intrigantemente, isso está acontecendo não entre teólogos ou crentes comuns, mas no meio de círculos intelectuais de filósofos acadêmicos, onde o consenso há muito havia banido o Todo-Poderoso do discurso frutífero” (“Modernizando o Caso para Deus,” Time [7 de Abril de 1980], pp. 65-66). O artigo cita o falecido Roderick Crisholm para efeito de que a razão pela qual o ateísmo era tão influente uma geração atrás era que os filósofos mais brilhantes eram ateus; mas hoje, na opinião dele, muitos dos filósofos mais brilhantes são teístas, usando um intelectualismo determinado em defesa daquela crença que, anteriormente, estava faltando em seu lado do debate.

3 Quentin Smith, “The Metaphilosophy of Naturalism” Philo 4/2(2001): 3-4. Um sinal dos tempos: A própria Philo, incapaz de obter sucesso como um órgão secular, hoje se tornou um jornal para filosofia da religião em geral.

4 Ibid., p. 4.

5 Um dos avanços mais significativos na Epistemologia Religiosa contemporânea foi a assim-chamada Epistemologia reformada, encabeçada e desenvolvida por Alvin Plantinga, que diretamente ataca o construto evidencialista da racionalidade. Em relação à crença de que Deus existe, Plantinga mantém que Deus nos constituiu de tal forma que nós naturalmente formamos essa crença sob certas circunstâncias; como a crença é, então, formada por faculdades cognitivas funcionando apropriadamente em um ambiente apropriado, ela nos é justificada, e, na medida em que nossas faculdades cognitivas não estejam interrompidas pelos efeitos noéticos do pecado, nós iremos acreditar nessa proposição profunda e firmemente, de modo que se pode dizer que, em virtude da grande certeza resultante desta crença para nós, sabemos que Deus existe.

6 Sobre a ressurreição de Jesus, veja N.T. Wright, Christian Origins and the Question of God, vol.3: The Ressurrection of the Son of God (Minneapolis: Fortress Press, 2003).

7 Daniel Howard-Snyder, “Introduction,” em The Evidential Argument from Evil, ed. Daniel Howard-Snyder (Bloomington, Ind.: Indiana University Press, 1996), p. xi.

8 Ibid. O teísta Cristão irá, portanto, insistir que, ao tratar do problema externo do mal, consideremos não só o problema do mal no mundo, mas toda a evidência relevante à existência de Deus, incluindo o argumento da contingência para uma Razão Suficiente porque algo existe ao invés de nada, o argumento cosmológico para um Criador do universo, o argumento teleológico para um Projetista inteligente do cosmos, o argumento axiológico para um Bem derradeiro, pessoalmente incorporado, o argumento não-lógico para uma Mende derradeira, o argumento epistemológico para um Projetista de nossas faculdades cognitivas direcionadas à verdade, o argumento ontológico para um Ser Maximamente Grandioso, assim como a evidência em relação à pessoa de Cristo, a historicidade de sua ressurreição, a existência de milagres e, em adição, experiência existencial e religiosa.

9 A história do Hotel de Hilbert é relatada em George Gamow, One, Two, Three, Infinity (London: Macmillan, 1946), 17.

10 Veja um levantamento de opções em meu “Time, Eternity and Eschatology,” no Oxford Handbook on Eschatology, ed. J. Walls (Oxford: Oxford University Press, vindo em breve).

11 P. C. W. Davies, The Physics of Time Asymmetry (London: Surrey University Press, 1974), p. 104.

12 Veja o argumento em meu “Naturalismo e Cosmologia,” em Analytic Philosophy without Naturalism, ed. A. Corradini, S. Galvan, e J. Lowe (London: Routledge, 2005).

13 Roger Penrose, The Road to Reality (New York: Alfred A. Knopf, 2005), pp. 762-5.

14 Paul Kurtz, Forbidden Fruit (Buffalo, N.Y.: Prometheus Books, 1988), p. 65.

15 Alguns filósofos parecem supor que verdades morais, sendo necessariamente verdadeiras, não podem ter uma explicação de sua veracidade. A pressuposição crucial de que verdades necessárias não podem se manter em relações de prioridade explanatória umas com as outras não é não apenas não evidentemente verdadeira, mas parece claramente falsa. Por exemplo, a proposição Uma pluralidade de pessoas existe é necessariamente verdadeira (em um sentido amplamente lógico) porque Deus existe é necessariamente verdade e Deus é essencialmente uma Trindade. Para dar um exemplo não-teológico: em um relato não-ficcionalista, 2+3=5 é necessariamente verdade, pois os axiomas de Peano para a aritmética padrão são necessariamente verdadeiros. Ou, novamente, Nenhum evento precede a si mesmo é necessariamente verdade, pois O devir temporal é uma característica essencial e objetiva do tempo é necessariamente verdade. Seria altamente implausível sugerir que a relação de prioridade explanatória obtendo entre as proposições relevantes é simétrica.

Artigo Original em inglês: http://www.reasonablefaith.org/theistic-critiques-of-atheism#ixzz24tDNC5oZ

Argumento da Experiência Religiosa¹ (só o inicio; temporário)

KAI-MAN KWAN

Tradução: teismocristao.wordpress.com

Origem: The Blackwell Companion to Natural Theology, capítulo de mesmo nome. Nenhum direito reinvindicado.

Uma das principais preocupações da teologia natural é se existem argumentos racionais para a existência de Deus. O Argumento da Experiência Religiosa (AER) afirma que, dadas as premissas adequadas, nós podemos deduzir a partir das experiências religiosas (ERs) da humanidade um grau significativo de justificação epistêmica para a existência de Deus. Nesse capítulo eu irei defender o AER, mas eu não tenho nenhuma intenção de argumentar que apenas uma tradição teísta em particular (como o Cristianismo) é correta aqui. Minha estratégia se focará em uma subclasse de ER, as experiências de Deus ou experiência teísta (ET), e argumentar que ETs fornecem justificação suficiente para a crença em Deus. Eu não digo que esse é um argumento conclusivo, mas eu penso que ele é um argumento razoável que pode contribuir para o caso cumulativo para a existência de Deus.

Alguma clarificação quanto à termos é necessária. Por ER, eu quero dizer uma experiência que o sujeito acredita ser uma experiência de Deus, ou algum ser ou estado de coisas sobrenatural. (Por “Deus” eu me refiro aproximadamente à Base do Ser supremamente poderosa, toda-amorosa e pessoal.) Tal experiência é verídica se o que o sujeito tomou como sedo o objeto de sua experiência de fato existiu, estava presente e o fez ter essa experiência de maneira adequada.² A afirmação de que “S tem uma experiência de Deus” não implica que “Deus existe”. Então o fato de ERs terem acontecido não prejulga a questão da existência de Deus.

As raízes Experienciais da Religião

Deus não é apenas uma hipótese para os religiosamente devotados. Ele é uma Realidade Viva que permeia todas as suas vidas. ERs algumas vezes transmitem uma sensação de realidade tão intensificada que a convicção que elas instilam transforma as vidas dos experimentadores.  Ademais, ERs muitas vezes também transformam o mundo – apenas contemple o imenso impacto de pessoas como Moisés, São Paulo, Agostinho, Wilberforce e outros na civilização Ocidental. Deixe-me seguir com alguns casos concretos de ER.

CASOS DE ET

Caso 1. A história de Christiana Tsai: rainha da câmara escura

Christiana Tsai era uma mulher chinesa nascida em uma sociedade chinesa tradicional no século dezenove. Ela veio de uma família chinesa que era antagônica em relação ao cristianismo, mas foi convertida após tal experiência: um dia ela estava brincando no quintal, e ela notou uma pedra que parecia muito suave na superfície. Ela a virou com uma vareta e descobriu que havia um grande lagarto e vários insetos sob a pedra. De repente, ela ouviu uma voz em seu coração: “Você é como esta pedra, parecendo bonita por fora, mas cheia de mal no interior!” Ela se ajoelhou e orou a Deus por perdão. Imediatamente, ela encontrou paz e sentiu que o fardo do pecado nela foi retirado. Desde então, o mundo lhe parecia como o belo jardim do Senhor. Ela encontrou uma fonte de amor em seu coração, e sentiu que até mesmo os objetos inanimados nas imediações estavam cantando louvor ao Criador com ela.

Ela compartilhou o evangelho com amigos e familiares e muitos foram convertidos também. Todavia, sua mãe era muito resistente e era viciada em ópio. Uma noite, sua mãe teve uma visão de Jesus aparecendo diante dela em Sua glória. Após isso, sua mãe também se converteu e achou fácil abandonar o ópio por completo. Uma vez, Tsai estava lutando sobre uma decisão relativa ao seu relacionamento com seu namorado. De repente, ela pareceu ver Jesus no Getsêmani. Ela se ficou cheia com o Espírito Santo. Ela sentiu a dor de Cristo e soube que Cristo também conseguia compreender sua dor. Ela decidiu abandonar aquele relacionamento. Desde então, ela sentiu que o amor do Senhor nunca havia a abandonado, e sua comunhão com ele tornou-se cada vez mais doce. Porém, a tribulação mais difícil ainda estava por vir.

Um dia uma doença estranha de repente começou a causar-lhe imensos sofrimentos. Até mesmo luz a faria se sentir como sendo esfaqueada. Por vários dias ela simplesmente não conseguia comer, se movimentar, falar ou abrir os olhos. Médicos disseram que ela morreria em breve. Todavia, ela teve uma visão de uma bela coroa subindo ao céu numa noite, mas uma voz lhe disse que ainda não era a hora. Então ela começou a se recuperar. Para simplificar a história, embora ela tenha sobrevivido a doença, ela teve que permanecer na câmara escura pelos próximos 24 anos, e dor tremenda ainda a visitava. Porém, durante tal longo período e na escuridão, ela continuava a sentir fortemente o amor de Deus e a iluminação da Sua luz. Ela continuou a ter comunhão com Deus, e sua vida demonstrou uma espécie de paz e alegria que eram quase palpáveis aos seus visitantes. Muitos deles diriam que eles podiam ver Deus em sua vida.³

Caso 2. Experiência de cristãos chineses sob perseguição

Desde que os comunistas tomaram conta da China, muitos cristãos chineses foram cruelmente perseguidos, mas muitos deles corajosamente mantiveram suas fés, ainda que, à vezes, apenas a negação verbal da fé fosse facilmente assegurar suas libertações. Um crente disse: “Eu sou um prisioneiro, mas meu espírito não pode ser aprisionado. Eu posso livremente ter comunhão com o Senhor de tempo em tempo….Embora minhas mãos estejam algemadas, e meu corpo sinta dor indescritível, meu coração ainda está cheio de paz e alegria” (Xi 1990, p.4). Ele só foi solto depois de 20 anos num campo de trabalho, mas continuou a experimenta a presença de Deus e de Sua graça abundante (Xi 1990, p.8). Outro crente foi preso e trazido perante a multidão para receber críticas. Ele sentiu-se como se estivesse perto do fim de sua vida, mas repentinamente ele teve uma visão de Jesus carregando a cruz e andando no caminho para o Calvário. Imediatamente, ele sentiu uma espécie de alívio por todo o seu corpo, e todo o medo foi expulso de seu coração. Ele então foi capaz de enfrentar a multidão feroz com calma (Xi 1990, p.54). Muitas histórias similares foram contadas no mesmo livro.

Caso 3. A experiência de Sheila

“’Aquele, não perdendo nada de si mesmo, transborda’…. Eu simplesmente vi que era assim…Os únicos sintomas corporais eram lágrimas de alegria….Pareceu, por um momento, como se eu estivesse “Na grande mão de Deus’….Qualquer distinção de sujeito e objeto, ativo e passivo, substantivo e verbo estava perdida….Que não era uma alucinação é, todavia, a convicção mais permanente que eu tenho” (citado em Wall 1995, p.47).

Caso 4. A experiência de Mark

Essa experiência durou mais de 9 meses: “A experiência incluía uma consciência sublime de um poder sustentador personalizado que desafia a descrição. Eu me lembro imaginando se eu havia encontrado Deus ou se Deus havia me encontrado. Eu era infinitamente mais preocupado com e consciente de pessoas e meu ambiente. Percepção mental e originalidade foram aumentadas. Viver atingiu níveis inimagináveis de pura alegria….De inicio eu estava surpreso em descobrir pouca correlação entre minha experiência e as crenças e comportamento da Igreja” (citado em Wall, p.50).

Caso 5. A experiência de Simone Weil

“Em um momento de sofrimento intenso, quando eu estava me forçando a amar, mas sem desejar dar um nome a esse amor, eu senti, de nenhuma maneira preparada para isso (pois eu nunca havia lido os escritores místicos) uma presença mais pessoal, mais certa, mais real que qualquer ser humano, embora inacessível aos sentidos e à imaginação.” Weil observa: “Eu nunca havia previsto a possibilidade daquilo, de um contato real, pessoa a pessoa, aqui embaixo, entre um ser humano e Deus. Eu havia vagamente ouvido falar de coisas desse tipo, mas nunca acreditei nelas” (citado em Layman 2007, p.42).

Caso 6. A experiência de Angelique

Angelique é uma psiquiatra. Ela escreve: “tão longe quanto consigo me lembrar, eu “sabia” da existência de Deus. Qualquer sentido gradualmente se desenvolvendo que eu tivesse de mim mesma como uma entidade era acompanhado de uma sensação de alguém diferente, invisível e infinitamente maior que eu ou qualquer outra “pessoa”, e diferente deles, uma espécie de força todo-poderosa, difundida no mundo, mas que, longe de ser impessoal, era amável e beneficente, com um interesse real em mim….Eu nunca usei nenhum a palavra para essa pessoa – afinal, eu nunca precisei – mas o uso da palavra ‘Deus’ ou ‘Criador’ por outras pessoas parecia se encaixar muito bem. Eu nunca vi ou ouvi nada de que me lembre, mas o conhecimento era tão certo quanto o conhecimento de que outra pessoas continuavam a existir quando saiam da sala…meus pais eram ambos agnósticos e anti-igreja. Não me lembro de religião ter sido um assunto de conversa em casa vez nenhuma. Além de poucos flertes com a Escola Dominical eu não frequentei a igreja até os 13 anos de idade” (citado em Wall 1995, p.77).

Angelique alega que as experiências “tem a qualidade de não apenas serem auto-autenticantes, mas de serem o fundamento ou padrão pelos quais tudo mais em minha experiência subjetiva pode ser, e é julgado. Esse fenômeno em si não é desconhecido em estados anormais de delírio e alucinação,” os quais “invariavelmente levam à deterioração mental progressiva, dor e, eventualmente, desintegração psicológica e social, enquanto o único teste objetivo de experiências espirituais é que elas mostram frutos em maior sensibilidade e maturidade, e levam ao crescimento em todas as áreas da personalidade” (Wall 1995, p.78).

Caso 7. Uma experiência completamente surpreendente

“A experiência em si é muito difícil de descrever. Tomou-me completamente de surpresa. Eu estava prestes a começar a me barbear no momento, entre todas as coisas. Eu senti que minha alma foi literalmente deslocada – por uma boa quantidade de segundos, talvez de 15 a 20 – das trevas à luz. Eu vi minha vida, de repente, como que formando um padrão, e senti que eu tinha, de repente, me familiarizado comigo mesmo novamente…Devo salientar que antes dessa experiência eu nunca havia usado palavras como ‘alma’ ou ‘salvação’ ou qualquer uma dessas palavras ‘religiosamente coloridas’. Mas, para fazer o mínimo sentido do que aconteceu comigo, eu acho imperativo usá-las” (citado em Hay 1994, p.21).

Caso 8. Experiência de projeto

“Minha mente repentinamente começou a pensar sobre a beleza ao meu redor, e considerei a maravilhosa ordem e timing do crescimento de cada flor e erva, e a abundância de todo o crescimento visível acontecendo ao redor; eu me lembro de pensar “Aqui há mente”….Por alguns momentos eu realmente me senti em um com o Universo ou o Poder Criativo que reconhecemos….Eu devo ter sido confrontado com a fonte de todo o ser” (citado em Hay 1994, p.23).

O AER no Século Vinte

Defensores anteriores da ER incluíam tanto teólogos quanto filósofos, por exemplo: Farmer, Frank, Waterhouse e Knudson. Alguns deles afirmavam que ERs providenciavam conhecimento imediato de Deus, que era auto-autenticante. Todavia, filósofos tendiam a ser mais críticos de tais afirmações (C.B. Martin, cap. 5; Flew 1966, cap. 6). Keith Yandell (1993, cap. 8), ele próprio um defensor da ER, era altamente crítico dessa noção. Não importa se essas críticas eram convincentes ou não, elas eram influentes e foram responsáveis pelo surgimento de uma forma de AER que não dependia de reivindicações de auto-autenticação.

O postulado prático que utilizamos em todos os outros lugares é tratar alegações cognitivas como verídicas a menos que haja alguma razão positiva para acreditar que sejam ilusórias. Essa, afinal, é a nossa única garantia para acreditar que a percepção sensorial comum é verídica. Não podemos provar que o que as pessoas concordam em perceber de fato existe independentemente delas; mas nós sempre assumimos que a percepção sensorial de pessoas despertas é verídica, a menos que possamos produzir algum caso positivo para pensar que ela é ilusória em determinada situação. Acho que seria incoerente tratar as experiências de místicos religiosos em princípios diferentes. Desde que elas concordem, elas deveriam ser provisionalmente aceitas como verídicas a não ser que haja alguma razão positiva para pensar que não são. (Broad 1953, p. 197)

Entre os anos cinquenta e setenta, defensores hábeis da ER incluem A.C. Ewing, John Hick, H. D. Lewis, Elton Trueblood, John Baillie, Rem Edwards e H.P. Owen. Porém, nessa época, o verificacionismo – a grosso modo a doutrina de que só sentenças verificáveis em principio eram cognitivamente significativas – ainda era influente, e por isso até mesmo a significância da linguagem religiosa estava em dúvida. A situação agora é bem diferente. Primeiramente, o verificacionismo está efetivamente morto. Em segundo lugar, a partir do final da década de 1970, uma quantidade de filósofos analíticos produziu defesas cada vez mais sofisticadas da ER. Richard Swinburne (1979m cap. 13) defendeu ERs através do seu Princípio da Credulidade (PC), que afirmava que era racional tratar nossas experiências como inocentes (incluindo a ER) até que se prove o contrário. Em outras palavras, ERs eram tratadas como evidência prima facie para a existência de Deus até que houvesse razões para duvidar delas. Isso atraiu muita atenção na filosofia da religião. Houve, é claro, muitos críticos (como William Rowe e Michael Martin), mas Swinburne também inspirou o apoio de uma boa quantidade de filósofos profissionais (como Gary Gutting).

Muitos livros foram escritos sobre ER que basicamente seguiram a linha de pensamento de Swinburne: Davis (1989), Wall (1995), e Gellman (1997). Outros filósofos (por exemplo, Wainwright e Yandell) também trabalharam independentemente rumo a uma conclusão similar. Um marco desse debate é Perceiving God (1991), de William Alston, que habilidosamente defendeu uma abordagem prática-doxástica à epistemologia.Essa abordagem afirmava que era racional confiar praticamente em nossas práticas doxástica socialmente estabelecidas, incluindo a experiência Cristã mística. Seus argumentos são amplamente discutidos e, em geral, levados a sério.

Defensores do AER fizeram progressos consideráveis durante o século vinte. Quando Swinburne inicialmente propôs seu AER através de seu PC no fim da década de 1970, ele foi recepcionado com incredulidade. Naquela época, a opinião prevalente entre filósofos profissionais parecia ser de que esse tipo de argumento não tinha esperança e além dos limites para filósofos respeitáveis. Então nem mesmo Mary Hesse, que simpatizava com a religião, pode suportá-lo naquele momento. Respondendo à Swinburne, embora ela tivesse pensado que seu artigo havia sido “firmemente argumentado”, ela pode descarta-lo em poucas palavras: “tais apelos à ER…não são comuns nem intelectualmente persuasivos nem ao menos inteligíveis no atual ambiente secular” (Hesse 1981, p. 288). Swinburne respondeu: “A  sugestão de que elas não são comuns parece simplesmente falsa…O argumento do meu artigo foi que apelos à ER deveriam ser intelectualmente persuasivos…Quanto à afirmação que apelos à ER não são inteligíveis – eu só posso sugerir que quem acredita nisso deveria se familiarizar com a literatura da religião, a fim de ver o que os apelos significam” (Swinburne 1981, pp. 303-4). Isso é um pouco divertido.

Atualmente, em geral, até críticos entre filósofos da religião o tratam com algum respeito. Agora ele é regularmente tratado em textos sobre filosofia da religião, e eu acredito que ele vai se tornar um dos argumentos clássicos para a existência de Deus. Os antigos defensores continuam a atualizar seus casos (Yandel 1999; Gellman 2001; Hick 2006), e ele também atraiu novos apoiadores (Garth Hallett, Stephen Layman, Grahame Miles, T. J. Mawson, Douglas Geivett). Obviamente, o AER também tem seus detratores (Richard Gale, Matthew Bagger, Nicholas Everitt, James Harris), mas eu penso que até mesmo eles concederão que seus oponentes são seus pares epistêmicos. Afinal, Alston e Swinburne são pesquisadores ativos no campo da epistemologia (e áreas relacionadas), e eles não podem ser descartados como filósofos amadores. Ainda não existe nenhum consenso, mas o AER parece estar vivo e bem.

O AER também é excitante e fascinante porque nos ajuda a repensar assuntos profundos na epistemologia. Penso que os defensores contemporâneos do AER estão explorando um novo paradigma. Também existem desenvolvimentos independentes e em consonância no campo da epistemologia em décadas recentes. Quando Swinburne primeiro propôs, audaciosamente, seu PC, foi algo bastante novo e radical, e ele fez afirmações aparentemente chocantes como “se me parece que Poseidon existe, então é uma boa evidência de que Poseidon existe”. É verdade, era semelhante ao commonsensism [algo como sensismo comum] crítico de Chisholm, mas poucos imaginariam aplica-lo diretamente à ER. Nesse tempo, as deficiências do fundacionalismo tradicional já haviam se tornado aparentes à muitos epistemólogos, mas talvez eles ainda estivessem esperando por uma solução rápida. Agora eles são mais abertos à quadros epistemológicos radicalmente diferentes. Princípios epistêmicos como o PC de Swinburne foram aceitos por filósofos diversos, como Gary Gutting, William Lycan, Robert Audi e Michael Huemer (mas eles não concordem de inteiro sobre seu âmbito de aplicação). Além disso, eles estão explorando teorias se assemelham  mais ou menos a abordagem prática doxástica de Alston, por exemplo: o fundacionalismo (bem fraco) de Catherine Elgin, o foundherentism [algo como fundoerentismo] de Susan Haack, ou o pragmatismo metodológico de Nicholas Rescher. Esse tipo de desenvolvimento epistemológico certamente reforça a plausibilidade inicial do AER.

Notas

1. Eu usei uma parte significante do meu ensaio publicado em Philosophy Compass neste capítulo. (Kwan, 2006b). Agradeço a permissão dada a mim  pelo jornal para fazer isso.

2. A última frase é adicionada para salvaguardar contra as assim chamadas cadeias causais desviantes. Essa condição é difícil de especificar em detalhes. O mesmo problema ocorre para a explicação do conceito de percepção sensorial verídica (ver Grice em Dancy 1998, cap.III). Também deve ser notado que essa é oferecida como uma condição suficiente para veridicidade, e esta pode não ser idêntica à sua condição necessária.

3. Essa história é contada em Tsai (1953), e minha narrativa é extraída da versão chinesa desse livro (Tsai 200).